domingo, 23 de novembro de 2008

Casos policiais


O JORNALISTA E O MONSTRO DO MACUCO

A história brutal do assassinato de uma família desvendado por um repórter policial

Por Miriam Borowski


As famílias felizes se parecem. As infelizes são infelizes cada uma à sua maneira. Pai, mãe e filha viviam em uma casa na Rua Santos Dumont, no bairro do Macuco. Numa determinada sexta-feira do início da década de 1970 receberam a visita do filho, que havia muito não aparecia. O pai ficou feliz em vê-lo e foi logo à mercearia fazer compras para lhe servir um lanche.

Na mercearia, comentou que o filho estudava para ser garçom no Senai, em São Paulo. Voltou para casa com as compras sem imaginar que aquele era o seu último dia de vida. Na calada da madrugada uma tragédia. Os três corpos só foram descobertos três dias depois. Os policiais não tinham pistas do autor do crime. Os jornalistas não podiam trabalhar no local. Isso foi o bastante para que o repórter Abissair Rocha entrasse em ação e encarasse os obstáculos impostos pela polícia técnica como um desafio.

Percorreu o bairro. Fez perguntas aqui e ali e acabou chegando à mercearia onde o pai costumava fazer compras. Ali, o funcionário que o atendeu lhe contou o que ouviu. O repórter resolveu ir atrás do assassino às próprias custas. No Senai, em São Paulo, descobriu que o rapaz já tinha se formado e conseguido um emprego no Hotel Nacional, no Rio de Janeiro. Não pensou duas vezes. Viajou para o Rio. No hotel foi informado de que o garçom ainda não tinha começado a trabalhar. O repórter alegou um caso de doença na família e acabaram lhe dando o endereço do futuro funcionário.

Ao chegar ao endereço o garçom havia se mudado naquela tarde. Conquistou então a confiança da dona da casa e, de novo, alegou um problema de doença na família. Ela lhe forneceu então o novo endereço do rapaz. Dessa vez Abissair Rocha achou melhor não ir procurá-lo sozinho, pois não sabia que tipo de pessoa iria encontrar.

Procurou uma delegacia e lá encontrou o investigador Eliezer Motta que no futuro se tornaria comediante e ficaria famoso ao trabalhar em dupla com Jô Soares como o personagem seu Batista. Contou a ele sobre o assassinato em Santos. Ambos foram para o endereço. O rapaz chegou logo depois. Ele era tão pequeno, que nem precisava de reforço policial. Abissair interpelou-o:

— Você é o Serginho?

— Sou.

— Olha, Serginho, eu vim de Santos porque você foi acusado de sedução. Mas a descrição que eu tenho não tem nada a ver com você, pois se trata de um homem alto, forte, moreno. Eu tenho certeza de que não é você, mas vou precisar que me acompanhe para que uma autoridade policial ateste a sua descrição física.

Serginho aceitou acompanhá-lo. Na delegacia o repórter abriu o jogo:

— Na verdade não existe nenhum caso de sedução. Vim procurá-lo pelo que você fez em Santos.

— Mas o que eu fiz? — quis saber o rapaz.

— Você sabe o que fez, o que nós não sabemos é porque você fez.

O rapaz abriu o jogo:

— Eu matei a minha mãe porque ela era muito ruim. Cheguei sexta-feira em casa, meu pai lhe pediu para fazer um lanche para mim e ela disse que não ia fazer. Quando fui à geladeira pegar um tomate, ela meteu a faca na minha mão e me machucou no pulso. Fiquei com tanta raiva que na madrugada resolvi matá-la. Quando o meu pai veio socorrê-la também o matei. A minha irmã se meteu e acabei matando ela também.

Com a confissão, o Monstro do Macuco foi preso e o repórter que passou três dias à sua caça foi recompensando pelo jornal Cidade de Santos pelo sucesso na investigação do caso.

Além do caso do Monstro do Macuco, como repórter policial Abissair Rocha ajudou a solucionar vários outros casos. Ele começou sua profissão na Rádio Difusora de Duque de Caxias, no Rio, e logo depois ingressou no jornal A Luta Democrática, de propriedade do mesmo dono da rádio, Tenório Cavalcanti — O Homem da Capa Preta, deputado polêmico cuja história foi levada às telas em 1986, num filme dirigido por Sérgio Rezende e protagonizado por José Wilker. Em seguida, foi trabalhar no jornal O Fluminense, onde escreveu várias reportagens sobre o temível Esquadrão da Morte.


VILA SOCÓ – um grito parado no ar

Em 1970, Abissair Rocha se mudou para Santos. Aqui, trabalhou no extinto Cidade de Santos por 18 anos. Dentre todas as matérias que já fez Rocha enfatiza que há um marco na sua vida: o antes e o depois da tragédia da Vila Socó, em Cubatão. A reportagem Uma noite de fogo e morte lhe rendeu o Prêmio Saturnino de Brito em equipe.

Abissair Rocha foi o primeiro repórter a chegar ao local do incêndio, na Vila Socó, em 24 de fevereiro de 1984. Tratava-se de uma favela, os barracos eram construídos em cima de palafitas no mangue, e sob estas passava um oleoduto da Petrobrás comido pela ferrugem. O equipamento se rompeu e provocou um incêndio que matou oficialmente 93 pessoas, mas estima-se em torno de 453 vítimas fatais, que possivelmente viraram cinzas.

Na época Cubatão era a cidade com maior arrecadação de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS). Na Vila Socó viviam aproximadamente seis mil pessoas, o que os moradores não sabiam é que estavam em cima de mais de meio milhão de litros de gasolina, um verdadeiro barril de pólvora. Através de rastreamento das ligações de água e luz foram contabilizados 432 barracos incendiados.

A Petrobrás foi considerada culpada e condenada tempos depois da tragédia. Moradores e vereadores alertavam freqüentemente a empresa sobre o forte cheiro de gasolina que vinha do manguezal, mas de nada adiantou. Segundo os bombeiros, as chamas chegaram rapidamente a mil graus Celsius, o suficiente para que o corpo de um adulto vire cinzas em menos de duas horas e o de uma criança em uma hora. Não foi por acaso que não encontraram corpos de crianças com idade abaixo de sete anos.

Uma cena ficou na memória de Abissair e de outros jornalistas como símbolo da tragédia: uma mulher grávida, coberta por um lençol, exibia, mesmo com a pele retesada, o contorno do bebê morto em seu ventre. Junto a ela e por ela abraçados estavam os corpos de seus dois filhos com cerca de cinco anos. Ao ver esta imagem, o então governador do Estado de São Paulo, André Franco Montoro sentiu-se mal e precisou de assistência médica.

A tragédia comoveu o País inteiro. Rocha diz que jamais vai esquecer o que aconteceu naquela madrugada. “Foi uma experiência muito traumática. Ver os corpos carbonizados de crianças, mulheres, famílias inteiras que viraram tocos. O desespero das pessoas que não sabiam onde estavam os seus familiares”.

Passados 20 anos, a Vila Socó mudou de nome para Vila São José, a Prefeitura aterrou o mangue, a Petrobrás construiu nove casas para os sobreviventes e indenizou as famílias das vítimas oficiais. A empresa também proibiu a construção de casas sobre a passagem dos novos oleodutos. Hoje, aos 76 anos, Abissair Rocha é apresentador de um programa policial na Rádio Cultura AM e comentarista policial na VTV.

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