NO TÚNEL DA MORTE
O relato do fim da própria vida, uma experiência que a ciência discute e algumas religiões consideram milagre
Por Mary Hellen Botelho
Por Mary Hellen Botelho
Começou com uma febre baixa. O médico de plantão da Maternidade São Lucas lhe indicou inalação às 14 horas do dia 18 de julho de 1990. Três horas mais tarde foi percebido o primeiro sinal de que era hora de Paolla Costa Lopes vir ao mundo, mas em condições adversas. Pesava quatro quilos e 10 gramas, aos oito meses, e estava com febre, assim como a mãe. Foi preciso ficar três dias na incubadora.
Nesse período a maior mudança da vida da mãe Máurea Christina Vasconcelos Lopes ocorria sem que ninguém soubesse, além da filha Priscilla, com 4 anos na época.
— Mamãe não morre — pedia a menina, segurando a sua mão . Os sintomas eram estranhos. A enfermeira relutava em chamar o médico plantonista, Paulo Roberto Olivetto, mas tinha certeza de que algo estava fora do normal. O médico não conseguia identificar aquelas reações.
O estado de Máurea piorou. Apareceu água no pulmão e a única alternativa era a UTI. Duas paradas cardíacas quase lhe tiraram a vida. Uma delas ocorrera dentro do elevador.
— Eu vi os médicos me dando choque, mas não sentia nada. É como se fosse um filme. Não dá para separar as situações porque você não tem consciência de que algo está errado.
Sua fé lhe dava a certeza de que aquele médico lhe curaria através do poder de Jesus e sua audição aguçada lhe permitia ouvir exatamente tudo que se passava, até a pizza que a equipe comia dentro da sala. Ela estava em coma, mas sabia o que se passava no quarto, sentindo a presença de cada pessoa que entrava e saia. O marido tinha certeza de que a esposa o ouvia normalmente, conversava com ela e contava sobre as meninas.
Três dias passaram. Nenhum progresso. Os médicos não tinham coragem de contar ao marido o que acabara de ocorrer naquele 21 de julho. Seu coração havia parado de bater há mais de 15 minutos e a equipe médica já a declarava como morta.
— Máurea, em nome de Jesus, acorda!
Era a oração de Norma, sua irmã de fé.
— Passei por um túnel com cores totalmente diferentes das que conhecemos. Cheguei a um jardim lindo, onde não se andava, se flutuava. Enquanto contemplava aquela beleza questionei a Deus que lugar era aquele. De repente, fui sugada e me vi entre dedos que me permitiam observar a destruição da Terra através de olhos que enxergavam tudo. Filha minha, tem certeza de que quer voltar? Era a voz do Pai falando comigo. Eu tinha convicção disso. Na terceira vez que me perguntou, chamou-me pelo nome. Quando respondi que queria voltar, acordei com as palavras da irmã Norma.
Apenas a vontade de estar na Terra lhe passava pela cabeça, além de uma paz indescritível. Uma lágrima escapara dos olhos do doutor Milton Braghetto, médico obstetra de Máurea. A surpresa foi geral, visto que a morte dela já estava registrada. Só podia ser um milagre.
O FENÔMENO
Dezoito anos após o incidente que marcou a vida de Máurea Christina Vasconcelos Lopes, a experiência que ocorre geralmente em pessoas com estágios avançados e irreversíveis de doenças vai além dos relatos ligados à religião ou cultura. O fenômeno denominado de Experiência Quase-Morte (EQM) está relacionado a processos químicos, físicos ou biológicos.
De acordo com o Instituto Internacional de Projeciologia e Conscienciologia, criado no Brasil em 1988, não é descartado o estágio de morte clínica. No entanto, a Experiência Quase-Morte é uma atitude tomada pela consciência de forma induzida ou após traumas.
Um levantamento feito em 1982 pelo Instituto Gallup, dos Estados Unidos, apontou que existiam cerca de 13 milhões de americanos relatando em algum momento a EQM; 30% deles foram considerados pacientes com morte clínica.
De acordo com o antropólogo e professor universitário Darrell Champlin ainda não existe um consenso sobre o tema, mas a única certeza é de que não dá para separar os elementos que circundam a experiência: “A visão do ser de luz está ligada à cultura e psicologia. Já o túnel faz parte do contexto cultural. A ausência de oxigênio no cérebro, que causa o efeito luminoso, é um fator físico e biológico e a criação da suposta experiência em uma situação de privação total é criada pelo lado psíquico. É impossível discutir este assunto se os pontos forem tratados de forma separados. Uma coisa é certa: ela transcende as reações físicas e, por isso, a ciência de hoje é incapaz de compreender”.
O VILÃO DA HISTÓRIA
A experiência de Maúrea Cristina Vasconcelos Lopes foi ocasionada por um vírus raro que afeta gestantes um mês antes do parto ou até cinco meses após, segundo informações do Instituto Nacional de Cardiologia. A doença é conhecida como cardiomiopatia periparto, inflamação que compromete o funcionamento do coração causando cansaço contínuo e progressivo, inchaços pela retenção de líquidos e dificuldades de respiração.
De acordo com o INC, não há estatísticas de casos no Brasil, mas em 2004 quase seis mil grávidas foram a óbito por causa desta doença. Nos Estados Unidos, estima-se que este problema apareça em uma entre 1500 mulheres. Não há como prever o problema e nem uma forma correta de tratá-lo, mas aos primeiros sintomas é necessário um acompanhamento médico rigoroso, hábitos alimentares saudáveis e repouso para que o coração volte ao funcionamento normal.
CASOS FAMOSOS
Em 20 de maio de 2005, a atriz Jane Seymour, estrela do filme Em Lugar do Passado, contou sua experiência derivada de uma reação alérgica à penicilina e que a fez flutuar pela sala onde os médicos tentavam trazê-la a vida.Os atores Sharon Stone, Elizabeth Taylor e Donald Sutherland também vivenciaram momentos semelhantes e doaram seus depoimentos para o livro Death’s Door: true stories of near death experiences (Porta da Morte: histórias reais de experiência quase-morte), de Jean Ritchie. O tema foi consagrado pelo médico Raymond Mood após estudar 150 pacientes que relatavam EQM’s e escrever o best seller Vida Após a Morte, em 1975.
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