quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Profissão . Parte1


PÉ NA COVA

O dia-a-dia de um profissional que trabalha entre os mortos

Por Elaine Saraiva


Ele é forte, moreno e tem uma expressão sisuda. Veste uma bermuda que um dia foi preta, uma camiseta regata azul desgastada e que deixa à mostra os braços com os músculos bem definidos. A aparência física contrasta com o jeito tímido, medroso e acuado, perceptível através da gagueira e do olhar que mira o chão. Essa característica é um reflexo da profissão de Waldir Coelho Elias, de 46 anos, marcada pelo silêncio e solidão diários, quebrados apenas pelo barulho da pá que usa para abrir um buraco na terra e cumprir o seu dever: o de garantir a paz eterna àqueles que já não estão nesse mundo. Profissão: coveiro.

No Cemitério do Paquetá, em Santos, onde Waldir trabalha há 22 anos, os primeiros executores da função eram escravos, conforme definição da Câmara Municipal, de 9 de dezembro de 1854. Com a diferença de que passariam a ganhar três mil réis pelos serviços.

As funções de Waldir consistem em abrir a cova, fazer sepultamentos, exumações e colaborar com a higiene do ambiente de trabalho. Além dessas atribuições, é de responsabilidade do coveiro zelar pelas máquinas e instrumentos que utiliza. Em relação a isso, Waldir lembra que o seu único equipamento, além da pá, é um par de botas usado como utensílio de proteção. “Quando vou exumar, às vezes a campa está cheia de água”.

Em um estudo feito em 1996 pela historiadora Maria Valéria Mendes Pitta — Arqueologia da Morte: O Cemitério do Paquetá — são lembrados os perigos das constantes infiltrações que ocorrem nos jazigos do Paquetá, por causa da alta umidade relativa do ar em Santos. Aliada a isso, está a questão da contaminação do solo causada por coliformes fecais, salmonelas e bacilos causadores da tuberculose. O coveiro Waldir diz que no começo foi difícil lidar com os enterros e as exumações e que pensou em desistir da profissão: “Quando eu comecei aqui tinha medo e nojo, mas depois fui acostumando”.

É no setor nordeste do cemitério, o local que o coveiro assume ser o seu reduto particular, em meio a mato e tumbas. Lá, além das aves que habitam aquela região do Porto, é possível também ouvir o barulho dos apitos das embarcações que chegam e partem de Santos.

Para não dizer que está totalmente sozinho, Waldir tem a companhia silenciosa de nomes importantes. Companhias essas que ele ouviu falar, assistiu ou mesmo participou do enterro. Um dos mais comoventes foi o da nadadora Renata Agondi, que morreu em 1988 quando fazia uma das travessias mais complicadas na natação: a do Canal da Mancha (entre Inglaterra e França). Segundo Waldir, o enterro dela foi o que mais o impressionou, o mais triste e emocionante de todos: “O corpo veio embalsamado e foi velado na Universidade Santa Cecília. Aqui no cemitério foi gente, viu? Muita gente e muita tristeza”.

O enterro da jornalista e apresentadora da Rede Globo, Márcia Mendes, que faleceu em 1979, vitimada por um câncer, também é lembrado pelo coveiro como um dos mais badalados, muito embora ele não tenha trabalhado no sepultamento: “Lotou o cemitério, até o Cid Moreira veio”.

Essa não foi a primeira nem a última vez que Waldir teve contato com jornalistas. Em 7 de março de 2001, quando o então governador de São Paulo, o santista Mário Covas, foi sepultado no Paquetá e o local estava repleto de jornalistas. Ele recorda também da presença do vice-governador Geraldo Alckmin e do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso — ou “seu” Henrique, para o coveiro.

SOSSEGO

Com o decorrer da conversa, Waldir passa a ficar mais à vontade. Morador do bairro Jardim Castelo, acorda todos os dias às 4h30 da manhã para as 8 horas abrir o cemitério e permanecer no local até as 17h50, quando encerra o expediente. “De manhã é gostoso, mas depois do almoço isso aqui pega fogo, por causa do calor provocado pelo aquecimento das pedras das sepulturas. Sou o primeiro a chegar e o último a sair”.

Andando pelas alamedas, começa a mostrar, com mais apreço e empolgação, as tumbas que costuma limpar e os matinhos que estava cortando antes da entrevista. Ao final da caminhada, chegamos ao seu cantinho. “Aqui, posso ficar mais sossegado, fazendo o meu trabalho em paz”.

Apesar de seu dia-a-dia ser aparentemente calmo, a rotina muda totalmente de figura nos dois primeiros dias de novembro, quando chega o dia de Finados. Waldir conta que é a época do ano em que o trabalho praticamente dobra: “Na madrugada do dia 1º para o dia 2, eu e o pessoal da floricultura começamos a enfeitar as campas às 11 horas da noite e ficamos até terminar o trabalho, às 4 horas da manhã”.

É difícil definir quantas pessoas estão enterradas no Paquetá por causa de um incêndio que ocorreu na sala da administração e na capela do local, em 1994. O incêndio destruiu grande parte dos registros anteriores a 1990, como explica Francismar da Silva, o oficial-administrativo do cemitério. “Queimou tudo, a perícia considerou o incêndio como criminoso. Os livros de registros de sepultamentos, desde 1930, foram jogados ao chão e queimados”.

Atualmente, grande parte das sepulturas do Paquetá é perpétua ou pertencente a dez irmandades da Cidade. Apesar de ainda não-saturado, o cemitério já está lotado. Tanto que o espaço mínimo de uma sepultura para outra é de 33 centímetros. Os 22 anos vividos no Cemitério do Paquetá impuseram a Waldir habilidade para se desvencilhar das sepulturas. Ele sabe como caminhar rápido pelo local. Antes de desaparecer por entre os túmulos, o coveiro diz: “Falam do Fantasma do Paquetá. Mas morto não faz mal a ninguém. O perigo é o que está atrás desses muros”.


COVEIRO

“Indivíduo que abre covas para cadáveres”, essa é a definição que o dicionário dá para coveiro ou sepultador. Mas o coveiro faz muito mais que simplesmente ‘abrir covas’, ele é o responsável por limpar os jazidos, carregar os caixões, realizar exumações, e até mesmo colaborar com a administração do cemitério. Como sempre haverá serviço, o mercado de trabalho nesta área é bastante amplo, sendo, o profissional concursado, no caso de cemitérios municipais. Em 2007, foi realizado o concurso para o cargo no município de Cubatão. Ao todo foram candidataram 772 pessoas concorrendo a cinco vagas, para trabalhar 40 horas semanais e receber um salário de R$937,06. Para ser coveiro não é preciso ter uma formação especifica, geralmente, a exigência vai do nível fundamental incompleto a completo. Apesar disso, não é qualquer pessoa que pode encarar esse ofício, sendo algumas características importantes para o sucesso na profissão. São elas:

† responsabilidade
† metodologia
† força física
† disposição
† raciocínio rápido
† capacidade de organização
† capacidade de observação

Fonte:
www.brasilprofissoes.com.br/

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