quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Esporte


MALUCO BELEZA


Conheça a história de um carioca que trocou a camisa do Flamengo pela da Portuguesinha Santista. Inconformado com a falta de prestígio do time, Aguinaldo Pereira Costa é dono do maior acervo de memórias do clube e sonha em conquistar mais torcedores

Por Lincoln Chaves



Em um corpo bastante esguio e um pouco enrugado — reflexo dos 45 anos já vividos e que chegarão a 46 em 12 de dezembro — chama a atenção em Aguinaldo Pereira Costa um boné cujo tamanho da aba era desproporcional à sua magra estrutura física, de tão longa que era. Mas não era essa a principal razão pela qual o acessório era marcante, e sim a estampa: um símbolo verde e vermelho, com a palavra “Briosa” logo abaixo. Sem muitos sorrisos, mas com animação na fala, quase uma metralhadora de palavras, ele retira o boné e aponta, orgulhoso, para o emblema que, há 16 anos, fez seu coração, então flamenguista, ser pintado com as cores lusitanas da tradicional Portuguesa Santista.

Neno, como é conhecido, trabalha em uma loja situada logo em frente à Universidade Santa Cecília, na Rua Lobo Viana. Lá há muitas camisas de clubes blusas na vitrine. Nenhuma, no entanto, nas cores vermelha e verde da Portuguesa. Ele aponta para a vitrine e pergunta: “Você vê alguma camisa da Portuguesa lá? Pois é, nem eu. E não vejo em nenhum outro lugar. Como pode ter torcedor se não há nenhum material esportivo à disposição das pessoas?”.

Mais uma vez, retira seu boné e conta que aquele acessório foi resultado de um esforço pessoal. “Assumi a responsabilidade e mandei fazer 120 desses, para ver se conseguia levar esse material para outras pessoas, espalhar a Portuguesa pela cidade”. Fundada há 91 anos, a Portuguesa Santista é um dos times mais tradicionais de São Paulo.

Além do amor pela Portuguesa, apenas o cantor Raul Seixas, de cujo fã clube oficial Neno faz parte, é capaz de ocupar o coração deste carioca, nascido no bairro da Madureira. Ainda assim, é a Briosa que ocupa a maior parte de seu tempo, e, acredite, levou-o a conhecer o que é hoje seu ganha-pão: o design de sites.

Há apenas dois anos foi ao ar o www.portuguesasantista.net. O visual inicial não era dos mais evoluídos, mas suficiente para reativar o espaço da equipe na rede, perdido meses antes por falta de pagamento e de assunto. Neno admite que não sabia nada sobre webdesign. “Li sobre o assunto, gastei horas para descobrir como poderia fazer um site simples, mas útil ao torcedor”.

Hoje, desenvolve o site da loja esportiva Pepino. Apesar de ser formado em Administração de Empresas adotou a nova especialidade como profissão.


TROCA DE CAMISA

Na adolescência, Aguinaldo era rubro-negro de carteirinha e presença cativa no Maracanã. Época também em que adotou como hobby jogar na loteria esportiva e quando, admite, pegou raiva da Briosa. “A fase do time era bem ruim naqueles anos 70, e sempre perdia pontos por causa da Portuguesa. Dizia que nunca torceria por um time daqueles”, declarou, mostrando não ser um profeta muito confiável.

Com os estudos concluídos e sem emprego, Neno mudou-se para São Paulo e em 1986 foi trabalhar na parte administrativa da Coca-Cola. Depois desse tempo, trabalhou por 10 anos na lanchonete Bob’s. Foi nesse tempo que a Briosa entrou em sua vida. Para sempre.

A relação, anteriormente de ódio, começaria a mudar em 1992. Em uma folga, acompanhou o jogo entre Portuguesa de Desportos e Portuguesa Santista, no Canindé. O apertado empate em 2 a 2 surpreendeu o carioca, que, estupefato, exclamou: “Que time encardido esse time de Santos!”. A curiosidade o empolgou, fazendo com que desafiasse os quase 70 quilômetros da Capital ao Litoral para assistir aos jogos da Briosa.

Uma paixão O relacionamento com a equipe se estreitaria em 1997, quando veio trabalhar na Edesp, empresa de listas telefônicas, em Santos. A partir dali, acompanhar o time se tornou uma paixão que nunca foi abalada, nem mesmo por mulheres! Apesar de hoje estar namorando, não encontra problemas para dar atenção a seu amor futebolístico.

Seu alto poder de persuasão fez com que dois amigos, antes torcedores de Santos e São Paulo, adotassem a Lusinha como time do coração. Apesar de convincente, ele revela que apenas cerca de 20 torcedores comparecem sempre aos jogos.

Nas arquibancadas empoeiradas do Ulrico Mursa, Aguinaldo suspira, observando, no gramado, um jogo de colegas que alugaram o campo — uma das formas de sobrevivência do clube nos dias de hoje. “Os novos diretores são pessoas corretas, mas nada informados sobre futebol. Por isso que já estamos na metade de novembro e, até agora, nada de jogador”.

Polêmico, relembra discussões com ex-treinadores, ex-jogadores e empresários. De maneira descontrolada, sem pausas, denuncia jogadores que, segundo ele, entregaram jogos a outras equipes, e que “sairam de campo rindo, sendo que, por causa deles, fomos rebaixados”, em alusão a 2006, quando a Briosa deixou a elite paulista.


A COLEÇÃO

E foi justamente em um desses seus momentos de fúria que Aguinaldo deu o pontapé inicial a sua grande fixação: o acervo de jornais, recortes, camisetas e acessórios — o maior do Brasil — referente à Portuguesa Santista. Era 2003, e a Rubro-Verde entrava em campo contra o Volta Redonda, motivada pelo terceiro lugar no Paulistão daquele ano.

No entanto, jogando no esquema ‘roleta russa’, que virou piada nacional na mídia esportiva, onde todos atacavam e defendiam, a Briosa não foi páreo, perdendo por 4 a 0. Neno levantando o ingresso daquele confronto, direcionou sua revolta ao treinador Israel de Jesus: “Vou guardar isso aqui pelo resto da minha vida, para lembrar sempre da vergonha que foi essa palhaçada!”.

Ao notar a falta de arquivos dentro do próprio clube, Aguinaldo começou a pesquisar e juntar jornais, em busca de referências à Portuguesa Santista. Hoje, assume não ter noção total do tanto que possui, mas sabe que sua coletânea não cabe mais na segurança de seu lar. “Tive que emprestar alguns itens para o Carlos (colega da torcida) guardar na casa dele”.

Neno é esperançoso e planeja levar à nova diretoria um projeto para instalar os principais elementos de seu arquivo nas salas do clube. “Não quero que seja um Memorial, até porque não tem coisa para isso, mas que seja uma referência para os torcedores e mesmo para os curiosos”.

Hoje, seu grande objetivo é aumentar a torcida através de uma iniciativa nas escolas municipais da cidade. “Com uns cem ingressos, consigo ir aos colégios e motivá-los a ir aos jogos”.


O CÉLEBRE TORCEDOR

Caminhar com Aguinaldo Pereira Costa pela sede da Associação Atlética Portuguesa é como estar ao lado de uma autoridade. A cada passo, um "Oi! E aí, garoto, como vai? E a torcida?". Apesar dos quase 46 anos, perto de boa parte dos freqüentadores do clube, Neno é realmente um menino. Dentre aqueles que lhe distribuíam sorrisos e cumprimentos, destacava-se "seo" Renato, que, já beirando os 80 anos, é considerado por nosso personagem o torcedor "mais fanático" da Briosa.

As crianças que por lá brincavam também sorriam quando Aguinaldo se aproximava. "Ué, cadê a camisa da Portuguesa? Vai lá colocar!", disse a uma dupla de meninos de 6 anos.

Aguinaldo é querido por todos no clube. "Digamos que sou bastante respeitado, por meu posicionamento nas reuniões e pelas iniciativas que assumi em prol do time". E respeito nem sempre é sinônimo de amizade. Pelo contrário: muitas vezes, significa rivalidade. É o caso de seu relacionamento com o jornalista Cesar Neto, assessor de imprensa da Portuguesa Santista — que, quando procurado pela reportagem de Caça Histórias para falar sobre o clube, nunca chegou a respondeu aos contatos; ou ainda com o radialista e conselheiro Orlando José, com quem discutiu na ocasião em que o site novo da Briosa foi lançado, em 2006. "Ele e eu não conversamos mais desde então. Foi uma briga feia, mandei-o inclusive para aquele lugar!", relembra.

Com ex-jogadores que ainda freqüentam a agremiação, o relacionamento varia. O mais próximo a Neno é Zinho, considerado o principal atleta da equipe de 2001 e ídolo até hoje da torcida.

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