quarta-feira, 26 de novembro de 2008

No tom



O BOLACHA

Ele coleciona discos de vinil e no embalo de raridades garante que vale a pena preservá-los

Por Diana Lima


Aos 51 anos, Silvio Campos esbanja a felicidade do sucesso que obteve com o que poderia ser resumido a uma brincadeira de criança. Se muitos guardam tampinhas, moedas e selos, ele resolveu apostar na coleção de discos de vinil. Hoje, tem duas profissões — a de corretor de imóveis e um pequeno negócio com compra, troca e venda de discos.

Ele assumiu o hobby de colecionador como atividade profissional há 22 anos. Primeiro abriu uma loja, na Avenida Epitácio Pessoa, em Santos. Ali, vendia discos raros. Recentemente, fechou a loja e abriu uma virtual (www.teiacultural.blogspot.com).

Campos se diverte ao contar que muita gente diz que por se manter fiel ao vinil ele parou no tempo. Hoje, é obrigado a dividir a sua coleção de aproximadamente sete mil LPs numa estante na sala e a outra parte em seu quarto. “Qualquer um pode baixar música na internet e sair por aí ouvindo no MP3, não é verdade? Quem é que vai ter uma estante ou construir uma prateleira só para LPs? Para isso é preciso ter muito espaço e, dependendo da coleção, muito espaço mesmo!”, diz sorrindo.

Silvio Campos curte blues, rock, jazz e trilhas sonoras dos anos 60, 70 e 80, estilos que procurou manter em sua loja. Ele também aprecia músicos populares que, na sua visão, se aproximam do erudito como Hermeto Pascoal, Charlie Parker e Frank Zappa.

UMA CENA TÍPICA DA MANHÃ DE SÁBADO

Um homem lavando o carro na porta da garagem; o cuidado com a máquina. O enceramento delicado como um afago logo me veio à mente quando perguntei sobre como cuidar do disco. “O tratamento é muito especial. É preciso tratar com carinho, colocar na estante sem empenar, limpar para preservar dos fungos e da umidade, regulagem do peso da agulha que não podem ultrapassar duas gramas...”, explica Campos.

Após o ditado da imensa lista de conservação, chegam os mandamentos mais importantes sobre os discos: “Ninguém toca além de você e nunca empreste. Tenho long plays com mais de 50 anos de idade. Não dá para emprestar”, ressalta o colecionador.

Diante de sua vasta coleção nem se quisesse ele poderia limpar todos os discos. Antes de ouvir uma boa música sempre os limpa delicadamente: “Não lavo como muitos colecionadores fazem. Prefiro passar álcool absoluto, desimgripante WD 40 (antiumidificante) e guardo três agulhas em casa para qualquer eventualidade”, diz Campos.

Esse cuidado excessivo se fundamenta no fato do vinil ser um tipo de plástico muito delicado e qualquer arranhão comprometer a qualidade sonora, a poeira pode danificar o disco e a agulha. Dentre sua extensa coleção, Silvio Campos não se desfaria, em hipótese alguma, dos seus “discos piratas” — shows ao vivo gravados apenas para colecionadores, uma gravação limitada e dos discos da banda Pink Floyd.

Aos 13 anos, ele ganhou o primeiro LP do irmão, o “Cosmos Factory”, da banda Creedence Clearwater Revival. Por sorte, este não gostava do estilo e daí em diante Campos começou a paixão pela música e muito mais intensa pelos discos de vinil. O blues, o rock e o jazz fizeram parte da trilha sonora de sua vida, principalmente as músicas que embalaram as décadas de 60 e 70. “1965 a 1975 é o ápice da música mundial”, categoriza.

Engana-se quem pensa que para quem já possui sete mil álbuns seja o bastante. Campos desmente totalmente essa hipótese. “Sonho em ter um LP do pianista Moacir Santos, mas tem que ser o ‘Coisas’, de 1965, editado nos Estados Unidos, que descobri ouvindo outros artistas”, diz. Segundo ele, esse LP vale R$ 2 mil, preço que não está disposto a desembolsar. “É um valor muito alto. Quando eu era garoto, tudo bem, dava o que fosse por um LP. Mas agora a minha mulher me mataria se eu fizesse isso”, acrescenta.

Para se manter no ramo musical, não vale apenas gostar, é preciso muita dedicação. Baseado em sua experiência, o colecionador segue um padrão de pesquisa para suprir a necessidade de seu público, analisando a ficha técnica do vinil. O valor de um vinil no mercado paralelo pode variar de R$ 2,00 a R$ 3 mil, dependendo da raridade, do artista, selo e do estado físico.

A atração para o colecionador está justamente na dificuldade de encontrar o objeto no mercado. Este se guia por fetiche, que pode ser qualquer coisa que atinja seu desejo pessoal. De acordo com Silvio Campos existem dois tipos de pessoas que movimentam o comércio dos bolachões: o que compra por impulso num dia qualquer; e o que não pode ficar sem um LP na mão e faz de tudo para consegui-lo.

“O LP é, sem dúvida, diferente, de qualquer mídia atual. Tenho clientes que procuram por capas diferentes do mesmo LP (edições de outros países e fotos distintas), um tipo específico de canal de reprodução do áudio (mono, estéreo e quadrafônico), ou pela coleção inteira de um artista. Eu me contento só com um LP do músico que gosto”, explica Campos.

Além dos fanáticos por LP, muita gente já procurou os seus serviços para fazer festas temáticas. Outros, para fazerem artesanato com os discos. Ele rejeitou de cara. “Uma vez me perguntaram se eu tinha LPs para pintar e confeccionar móbiles. Pintar uma capa de um disco do Ney Matogrosso? É um crime cultural. Mandei a pessoa ir atrás de um sebo e adquirir um LP por R$ 2,00”, recorda indignado.

Em sua loja virtual os LPs mais vendidos são o quarto álbum do Led Zeppelin; o “Machine Head”, do Deep Purple; “Thriller”, de Michael Jackson; a primeira gravação de “Detalhes”, de Roberto Carlos; o disco 1 do Clube da Esquina; “Fruto Proibido”, de Rita Lee; “Construção”, de Chico Buarque, entre outros. Os colecionadores sempre estão em contato para ficar a par das novidades. Silvio conta que possui alguns contatos e que durante as pesquisas também entra em comunidades de colecionadores para conversar sobre os títulos, os músicos, as coleções e atualmente sobre a possível volta dos LPs.

Há quem acredite que o bolachão seja a solução para acabar com a pirataria. Silvio Campos não pensa assim e tem receio a dar uma resposta: “Acho que o momento dessa discussão deveria ter sido no início anos 90. Antes de parar de vez a fabricação dos vinis aqui era necessário avaliar as conseqüências, o que não ocorreu. Hoje em dia, a pirataria domina. Nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Japão continuaram com o bolachão, diminuindo apenas a vendagem. Lá a garotada ouve cantoras como a Amy Winehouse e a Nora Jones no LP”. O disco de vinil existe há 60 anos, mas não é mais fabricado no Brasil desde 1996, isso por causa das novas tecnologias como o disco digital e o MP3.

Ao falar do bolachão, Silvio Campos se sente fascinado. A qualidade das canções de seu tempo, a criatividade das capas. O próprio tamanho do objeto de seus desejos o surpreende. “Quem inventou o LP era um gênio! Só podia ser. Imagina alguém fazer um objeto feito com a dimensão exata para caber no colo, apreciar o encarte que, às vezes, parece um tapetão e... sentir o som”.

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