quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Memória


DUDU DO GONZAGA

Ícone homossexual na Santos dos anos 70, enfrentou o preconceito e fez história pelo comportamento inusitado e extravagante

Por Miriam Borowski


Dia de sol. Lá vem ele com a esteira, o guarda-sol, a tanga rosa e chinelinhos. Ele atravessa o Gonzaga em direção ao mar. Sua paixão é a praia, onde passa horas se bronzeando, até atingir o moreno dourado. Seus olhos azuis brilham e os cabelos oxigenados e encaracolados ficam mais amarelos. Luiz Eduardo D’ Agrella Teixeira, o Dudu do Gonzaga era assim. Não escondia a sua condição de homossexual, um dos personagens mais famosos de Santos.

A caminho da praia não perdia a oportunidade de mexer com os rapazes que passavam no bonde que vinha do Tarquínio Silva. Tinha tanta fama que na estréia do filme Help, em 1965, no antigo Cine Indaiá, quando saiu do cinema uma multidão gritou ao vê-lo passar: “Dudu! Dudu! Dudu!”. Ele não perdia o rebolado e logo fazia caras e bocas, como um pop star. O pessoal batia palmas.

Hoje, declarar a opção sexual não choca mais ninguém e até mesmo faz parte da aceitação das diferenças. Mas na época em que Dudu pontificava no Gonzaga, nos 60, 70 e início dos 80, assumir a homossexualidade era algo visto como escândalo ou então como curiosidade. O irmão, Manoel Dias Teixeira Neto, diz que se ele tivesse nascido em outra época seria diferente: “O Dudu nasceu na época errada, na cidade errada. Para assumir a sua condição como ele assumiu, ele deveria viver em Londres”.

Embora fosse tratado até com carinho principalmente por quem freqüentava o Gonzaga, quando era ofendido Dudu não deixava por menos. Respondia à altura, ficava nervoso. Mesmo assim, nunca se meteu em grandes confusões. Mas uma vez, por causa de um desentendimento, foi parar na delegacia. Quando a mãe, Maria Isabel D’ Agrella, soube foi logo buscá-lo. Chegando lá, perguntou:

— Onde está Luiz Eduardo?

— Aqui não tem nenhum Luiz Eduardo.

— Não brinca comigo! Eu sei que ele está aqui e quero vê-lo agora!

Maria Isabel não se envergonhava do filho. Diz que o aceitava como ele era e o defendia com unhas e dentes se fosse preciso. Quando ele estava com 14 anos de idade, percebeu a tendência do filho. Ela conta que resolveu levá-lo a São Paulo para uma consulta. O médico constatou que Dudu era normal e disse:

— Entre muitas outras mães você foi escolhida para ter um filho especial. Ele não tem nada, é perfeito.

Saiu dali com a certeza de que seu filho era muito querido e amado. Com o tempo, o tio o levou a uma casa de mulheres para ver como ele reagia. Lá também comprovou que ele era normal, mas a sua opção sexual era mais forte.

Mesmo com as dificuldades e o preconceito que imperavam na época, a família vivia normalmente. Com exceção do pai, Manoel Teixeira, que não agüentou a pressão e saiu de casa para morar em São Paulo. Mas, não abandonou os três filhos, incluindo a caçula Maria Luiza.

Seu irmão Manoel Neto é conhecido até hoje por Peti, apelido que ganhou do próprio Dudu quando tinha 2 anos de idade. Conta Maria Isabel:

— Eu chamava o Manoel de Netinho. O Dudu não entendia e o chamava de Peti. Fiz várias tentativas para que Dudu o chamasse de Netinho, mas não consegui e o apelido pegou.

O preconceito contra Dudu acabou sobrando também para Peti. Isso o impedia, às vezes, de arrumar namorada.

— Muitas vezes eu me aproximava de uma garota, e ela sabendo que eu era irmão do Dudu não se interessava.

Dudu era muito inteligente, embora só tenha estudado até o ensino médio de hoje. Trabalhava em salões de beleza e em casa de shows. Gostava de freqüentar bares. Acabou se envolvendo com um policial militar. Depois de um tempo de relacionamento o romance acabou. O policial se casou e foi morar e trabalhar em São Sebastião. Dudu não conseguiu ficar longe daquela paixão e foi morar na mesma cidade. Logo conseguiu trabalho numa boate. Com a presença dele na cidade, não demorou muito para descobrirem o romance do passado. Os comentários acabaram incomodando o policial que, por se sentir ameaçado, acabou dando três tiros em Dudu, atingindo o pescoço e a cabeça. Ele foi levado ainda com vida para o Hospital das Clínicas de São Sebastião, foi operado, mas não resistiu e morreu no dia 6 de novembro de 1982, aos 35 anos.

Sua morte comoveu até mesmo aqueles que não o conheciam. Seu sepultamento foi em Santos, onde antes de pensar que um dia pudesse morrer dessa maneira, tinha feito um pedido aos parentes. Quando morresse queria que seu caixão passasse pela Avenida Ana Costa de ponta a ponta. E foi isso que fizeram. Seu cortejo passou pela praia onde mais gostava de ficar, fez a volta na Praça da Independência e depois seguiu a avenida até o cemitério Paquetá. Seu funeral atraiu muita gente. Para Maria Isabel, ele morreu pela sua bondade:

— Era um filho maravilhoso, carinhoso, meu companheiro e amigo, me faz muita falta.

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