quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Memória . Parte1


ZÉ MACACO

O folclórico homem de 10.913 votos

Por Lincoln Chaves

João Vicente Saldanha da Cunha tinha todos os requisitos da lei para concorrer a uma vaga na Câmara de Santos. Ele se tornou muito popular nas ruas do Centro, que percorria em uma bicicleta fazendo propaganda de lojas em alto e bom som. Era mais conhecido como Zé Macaco. Candidatou-se em 1988 pelo extinto Partido Democrático Social (PDS) e conseguiu 10.913 votos, tornando-se o segundo vereador mais votado da história política de Santos.

Foi na esquina das ruas Visconde de Faria e Vicente de Carvalho, no bairro Campo Grande, onde, no dia 31 de dezembro de 1934, nasceu João Vicente Saldanha da Cunha. Com o passar dos anos, o João ganhou o apelido de Zé Macaco, por causa da astúcia para subir no jambolão que ficava no jardim de sua casa. “Ele tinha uma agilidade assombrosa. Parecia mesmo a de um macaco”, relembra o amigo de infância e vizinho, Manuel dos Santos, o Maneco, hoje com 66 anos.

Não era apenas em suas escaladas em árvores que Zé Macaco se destacava. Era também um exímio caminhante, a lembrar aqueles recordistas mundiais nos 100 metros rasos. “As do João eram enormes! A gente se despedia e ia andando para casa. Eu morava antes dele, mas mesmo assim, ele chegava na frente. Era fácil! Era só esticar aquelas pernas enormes dele que ele voava pela rua”, conta Maneco.

Suas pernas o levavam sempre aos campos de futebol, como a Vila Belmiro, templo de Coutinho, Pelé e Pepe. Ia ao campo do time campeão do mundo para “entrevistar” os craques da época.

Conseguia entrar no gramado levando um “gravador portátil”, feito à base de uma lata de azeite pintada de preto, adicionada a uma caixa de Mate Leão e uma antena de rádio quebrada. O impressionante era que, por muito tempo, ninguém desconfiava da malandragem da figura. E mesmo após descobrirem a tática, a maioria seguia dando “entrevistas” a ele.

Consta que presidentes como Jânio Quadros, Juscelino Kubitschek e estrangeiros como o português Craveiro Lopes caíram na rádio-lata do Zé. Em reportagem publicada no jornal A Tribuna, em 22 de julho de 2000, o próprio Zé Macaco disse que até o presidente dos Estados Unidos, Dwigth Einsenhower, em 1960, foi sua “vítima”.

Sua habilidade no comando do “microfone” tinha razão de ser. Zé Macaco era aficionado em expor sua voz e tê-la divulgada aos quatro ventos. “Ele era simplesmente maluco por um microfone. Era sua loucura”, afirma Maneco. Até por isso, teve oportunidades de trabalho na Rádio Cultura, então situada na esquina da Rua Sete de Setembro com a Avenida Conselheiro Nébias. E seria por meio dos microfones e perambulando pelas ruas do Centro de Santos, que ele deixaria de ser só um João ou um Zé. Foi quando o resto da cidade passou a não apenas ouvir falar, mas conhecer quem era Zé Macaco.

Por ser extrovertido, atraia com facilidade a atenção do público que freqüentava o Centro. “Ele era cobrador da Agência Coringa. Vestia-se de vermelho e ia, com toda sua parafernália de voz, cobrar dívidas. Para chamar a atenção e certificar-se do recebimento, berrava com o auxílio de seu microfone: ‘Aqui mora um mau pagador!’. É claro que o cara pagava na hora”, recorda o amigo Maneco.

Maneco, além de amigo, é um defensor ferrenho e fã de Zé Macaco. Para qualificá-lo, rechaça o adjetivo “louco”, e prefere o termo “de lua”, avoado. A todo instante, faz questão de reforçar o quão inteligente e trabalhador era Zé Macaco. “Ele sabia das coisas. Afinal, de que maneira conseguiria bolar todo o equipamento com o qual ia para as ruas? E como conseguiria enganar por tanto tempo com aquele rádio-lata?”.

A idéia de um cobrador maluco poderia deixar qualquer um com raiva. Mas com Zé, era diferente, diz Maneco. Todos o conheciam e ganhou a simpatia dos freqüentadores do Centro. “Foi nessa época que ele entrou de vez para o folclore santista. Quem, aqui na Cidade, nunca ouviu falar do Zé Macaco?”.

Um exemplo desse carinho ocorreu em 1986, quando foi expulso do porão onde morava com dona Filomena, a mulher que conheceu ainda quando cobrador. Revoltado com a medida, o povo se mobilizou para que, como “pedido de desculpas”, Zé Macaco conseguisse um cargo na Prefeitura. O prefeito Oswaldo Justo acatou a pressão e premiou Zé com um cargo na Secretaria de Cultura. Segundo o jornal A Tribuna, Zé Macaco passaria a percorrer a Cidade novamente, agora montado em um triciclo, divulgando atividades da Prefeitura.

Seu estilo próprio era um cartão de visitas. O amigo Maneco afirma que Zé não era limitado, por ser “de lua” não podia beber e, para se “comportar”, precisava de remédios. “Ele era um cara muito bom de marketing, e por isso era tão requisitado no Centro. Sabia como chamar a atenção. Soube lucrar bem com essa imagem”, analisa o jornalista Reynaldo Salgado que foi repórter especial de A Tribuna, na Câmara de Santos, no momento que mais marcou a passagem de João Vicente Saldanha da Cunha pela cidade.

VEREANÇA

O ano de 1988 marcava a segunda eleição municipal por meio do voto direto após Santos retomar a autonomia política, retirada durante o governo militar. Após uma disputa apertada, a petista Telma de Souza superou Joaquim Carlos Del Bosco Amaral (PMDB), tornando-se a primeira mulher a comandar Santos.

Mas a campanha que chamaria atenção era para a vereança. No santinho do candidato cujo número era o 11.624, os dizeres: “Já que os homens não resolvem, por que não votar nele?” evidenciavam de quem aquele folheto se tratava. Zé Macaco, assumia como candidato a vereador.

A idéia da candidatura não foi dele. Foi fruto de uma jogada político-partidária pensada por políticos experientes, conscientes de que se utilizando sua popularidade, poderiam conseguir vagas para seu partido na Câmara Municipal pelo coeficiente eleitoral. Na lista de políticos que apoiaram a candidatura de Zé Macaco, estavam João Carlos Vieira e Gilberto Tayfour, o ex-prefeito Paulo Gomes Barbosa e o coronel Erasmo Dias.

Mas como bancar uma disputa eleitoral, humilde como Zé Macaco era, mesmo com sua popularidade? Surgiu o apoio de amigos estivadores, que, como lembra o então também candidato Maneco, “lutaram com todas as forças para colocá-lo na Câmara”. Os comerciantes do Centro também se uniram em seu favor, sendo responsáveis pela confecção de seu material de campanha.

A união, no entanto, não ocorreu por simples amizade. “Eles queriam avacalhar com a Câmara, acabando com a imagem até boa que ela tinha frente à Cidade. No primeiro momento, não isso não estava claro, até porque não se sabia quem de fato o apoiava, mas isso mudou no dia da eleição, quando, fazendo boca-de-urna, estavam figuras influentes de Santos”, diz o jornalista Reynaldo Salgado.

As evidências desse apoio extra deram resultado positivo: Zé Macaco estava eleito. Os 10.913 santistas que apostaram nele, o tornaram o vereador mais votado daquele pleito e o segundo da história santista, atrás apenas do ex-portuário José Gonçalves, que em 1976 somou 11.822 votos. Eufórico, Zé Macaco comemorou bem ao seu estilo: com um estardalhaço pelas ruas do Centro, acenando de um jipe para as pessoas nas janelas, agradecendo o voto.

A votação de Zé Macaco atingiu o que o PDS esperava, que era ajudar a conduzir outros vereadores à Câmara. Além de Zé, também assumiram pelo partido Odair Viegas, Matsutaro Uehara e Gilberto Tayfour. O total de votos obtidos pelos três não chegou a 56% do que ele conseguiu sozinho.

VOTO DE PROTESTO

O número de eleitores que votaram em Zé Macaco refletia uma tendência da época, o voto de protesto. Era usado de duas maneiras: o voto nulo ou aquele concedido a um personagem, como maneira de protestar contra o sistema. Zé Macaco se encaixava no segundo tipo. Dentro disso, o jornalista Francisco La Scala Júnior pondera: “De vez em quando, não há uma real necessidade para se protestar contra algo. Em tese, a escolha do Zé Macaco é um caso mais de gozação do que real protesto”.

O professor de Marketing Político, Sérgio Motti Trombelli e a professora de Instituições Políticas, Kátia Locatelli, crêem na imaturidade política do eleitor santista na época. “Tínhamos acabado de retornar à democracia, e pode-se dizer que o eleitorado brasileiro ainda vivia um processo de amadurecimento. Isso, certamente, foi preponderante para que Zé Macaco fosse eleito, mesmo sabendo que nada poderia fazer de bom na Câmara”, explica Kátia.

A professora, que também é advogada, reforça a questão do protesto. “Apesar de imatura, pode-se analisar que o eleitor, com a escolha do Zé, mandou um recado aos políticos: de que é o povo, de fato, que tem o poder, e não o Governo. O povo pode colocar quem ele quiser no poder. Até mesmo o Zé Macaco”.


NA CÂMARA

Após o pleito, a expectativa de como seria o mandato de Zé Macaco era grande, mas as previsões dos jornalistas que cobriam Política em Santos, no entanto, não eram muito esperançosas. “Não esperávamos muito, sabíamos que ele não teria uma passagem muito marcante pela Câmara”, assume Reynaldo Salgado.

Mas Zé Macaco queria provar o contrário, já em seu primeiro dia de serviço, em 1º de janeiro de 1989. Aos 54 anos, como o vereador mais votado da eleição, por tradição, teria a honra de presidir a sessão da Câmara, na qual daria posse a prefeita eleita Telma de Souza. Para isso, treinou bem sua fala e, abusando de sua habilidade no controle de um microfone, surpreendeu os presentes com um discurso firme e claro. O fato de ter sido o candidato mais votado da Câmara, no entanto, não foi preponderante para que assumisse o posto de presidente, cargo que, aliás, nem o próprio Zé Macaco tinha muito interesse. Tanto que, na sessão para escolha do presidente, votou em seu amigo Roberto Bonavides, eleito para o posto.

Teria Zé Macaco fugido da raia? Maneco acredita que seu amigo tinha consciência de que se tratava de um cargo que ele não poderia exercer. Salgado relembra que “Zé Macaco não conseguiu ser, no tempo que esteve na Câmara, o homem comunicativo de antes. Sempre que havia um debate, ele passava a bola para outro político, até de maneira polida”. Esperava-se que Zé Macaco propusesse alguns projetos, ainda que malucos. Não foi o que ocorreu. “O máximo que ele fez foi apresentar requerimentos de coisas pequenas, como o reparo de bueiros ou buracos. Projeto, não houve nenhum”, diz Salgado.


Foram necessários quase dois anos para que, em 9 de outubro de 1990, Zé Macaco conseguisse colocar um de seus projetos em vigor. Na ocasião, fez com que o ex-ponta esquerda do Santos, José Macia, o Pepe, recebesse o título de cidadão santista. A aceitação se deu após uma boa conversa com Maneco, que, então, passava a ser seu assessor na Câmara. Formado em Relações Públicas, Maneco entrava na vida política de Zé Macaco após um início difícil de seu amigo na vereança. “Com sua vitória esmagadora, vieram alguns ‘amigos’ para auxiliá-lo na Câmara. Mas foram eles que, até para não serem atrapalhados por possíveis empecilhos que pudessem acordar o ingênuo João, afastaram-no de amigos e familiares. Quando assumi como assessor, a primeira atitude que tive foi chamar a família e os amigos de volta para a vida dele”.


Maneco discorda da idéia de que a passagem de Zé Macaco na Câmara foi pouco ou nada ativa. “Ele participou de comissões e soube como se portar corretamente no ambiente. Tanto que, depois que ele saiu da Câmara, só pensava em andar de terno e gravata pela rua. Além disso, foi ele quem indicou à prefeita Telma um projeto para criação de um vale-refeição gratuito para quem trabalhava 30 horas semanais”. O projeto chegou a ser sancionado em março de 1992, mas foi revogado anos depois.

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