domingo, 23 de novembro de 2008

Comportamento


FAMÍLIA MOSAICO

Longe de ser um problema, pais e filhos se adaptam a esta forma agregadora de viver

Por Monique Araújo


Com a separação, homens e mulheres vão em busca de novos amores para tentar ser felizes. E se com a nova mãe ou pai vierem também com novos irmãos? A partir daí, a família ganha um novo sentido e até acrescenta novos valores. Surge um leque de figuras familiares que passam a fazer parte desse núcleo e não seguirem o velho padrão de formação.

A história de Dalila Freire se encaixa neste novo cenário familiar. Casada há oito anos com o despachante Carlos Alberto Ferreira, ela viu a sua família passar de dois para seis jovens convivendo juntos. “Quando conheci meu atual marido, ele tinha três enteados de um relacionamento anterior. Eram as gêmeas Luciana e Fabiana, hoje com 26 anos, e Lourenço Júnior, de 29. Eles sempre moraram com a mãe. Além disso, ele tem outro filho, o Carlos Alberto Júnior, de 14, que mora conosco. Eu vinha também de outro casamento com dois filhos. O Renan, de 22 anos, e o Breno, de 17 anos”.

“Depois de ter sonhado com ele por duas vezes durante a semana, finalmente o conheci. Fui lanchar com uma amiga e de repente, ele apareceu em nossa mesa para cumprimentá-la, que por sinal era amigo dela. Eu nem podia imaginar! Levei um choque ao vê-lo, pois era muita coincidência. Meu coração disparou e fiquei gelada. Quando ele se despediu, eu mal conseguia respirar, conta Dalila”.

Depois desse dia, o número de vezes que se trombaram foi enorme. Exatamente um mês depois, eles começaram a namorar. “Fui conhecendo a família dele aos poucos. Primeiro, o filho caçula, na época com cinco anos. Em seguida, conheci as gêmeas, e finalmente o mais velho que se deu muito bem comigo. Carlos amou os meus filhos e não queria saber de sair da minha casa”.


NOVA SOCIEDADE

Para a psicóloga Rosana Pajares, especialista em atendimento familiar, existem muitos álbuns de família construídos em forma de mosaico. “São muitos os conceitos existentes nessa área: família onde a figura paterna é ausente e a mulher acaba assumindo os dois papéis, pais que criam os filhos sem as mães, em menor número, mas existem! Casais sem filhos, pais com filhos adotivos, famílias em que os avós assumem a criação e educação dos netos, casais homossexuais com ou sem filhos e tantas outras. Dentre elas está aquela família que agrega filhos de uniões anteriores, de ambos parceiros e ainda os filhos desse novo casal”.

Rosana acredita que o difícil é encontrar a pessoa disposta a fazer parte dessa nova família, tanto a mulher quanto o homem.”Falar de famílias inclui subjetividade, histórias de vida, repetição de padrões geracionais, influências culturais e até da mídia. Acho que para decidir viver com uma pessoa que aceite você com todos os seus filhos, e você aceitá-la com seus filhos também, é preciso ter uma boa dose de generosidade e uma disposição para enfrentar o desconhecido, isso porque não sabemos no que vai dar juntar filhos com histórias de vida que podem ser bem diferentes”.

Logo no começo, a família de Dalila passou por ajustes. Na época, tanto os filhos de Carlos quanto os de Dalila eram muito jovens. Segundo ela, alguns problemas de adaptações no início foram ocasionados por ciúme, competições de espaço e pequenas desavenças. “Com as gêmeas foi mais complicado. Era difícil fazê-las entender a diferença do amor que o pai sente por elas e por mim e que jamais eu poderia separá-las dele”.

Atualmente Dalila garante que as diversidades foram superadas por conta da maturidade que os filhos adquiriram com o tempo. “Eu mesma tive que crescer na marra para saber lidar com todos eles. Várias vezes entrei na bagunça e quando me dava conta estava tomando as mesmas atitudes infantis desse jogo de competição, o que causava muita discussão entre eu e meu marido. Realmente não foi nada fácil”.

Dalila diz que é muito importante os pais estarem atentos às necessidades de cada membro da família para esse tipo de relacionamento dar certo. Como um é não igual ao outro, deve-se construir afinidades e então descobrir como saber agir diferente com cada um deles. Segundo Rosana isso é bem normal nessa fase. “Todos precisarão de tempo para aprender a administrar tal situação, aceitar alguns fatos que não poderão ser modificados, retomarem funções maternas e paternas, acreditarem no sentimento que os uniu, enfrentar a situação e seguir adiante”.

A psicóloga Rosana considera difícil detalhar o que move alguns casais a tomarem essa decisão, saber por que isso acontece e como dizer a melhor maneira de viver em harmonia: “Suponho que as pessoas são movidas por diversas razões para se juntarem a alguém e constituírem famílias, razões nobres ou não. Claro que existem aquelas que agem movidas por patologias e maldade, mas essas são as que mais aparecem na mídia. Minha experiência em atendimento de casais de baixa renda mostra que outra razão é otimizar a condição financeira, pagar um único aluguel, dividir despesas, já que na maior parte das vezes a mulher trabalha fora e, não só colabora, como frequentemente assume as despesas da casa. É claro que existem aqueles que assumem diversas funções, são provedores do lar e ainda cuidam da casa e dos filhos, sendo presentes e afetuosos. Um bom modelo de um pai que assumiu quase completamente esse papel é o cantor e apresentador Ronnie Von”.

Todos os dias vemos nos noticiários uma atrocidade praticada por madrastas e padrastos, como o caso dos Nardoni e dos dois irmãos que foram mortos, esquartejados e queimados pelo pai e pela madrasta em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo. A psicóloga alerta que esses são episódios separados, podendo sim existir madrastas e padrastos afetuosos.

Dalila acrescenta: “As madrastas sempre serão vilãs. Afinal, os enteados usam disso na hora da repreensão. Se eu chamar a atenção do meu filho natural, ele aceita e se cala. Já um enteado acha que estou fazendo diferença, ou melhor, usa isso como artimanha. Com os padrastos acredito que seja diferente, por eles não estarem tão presentes em casa. Mas pode ter certeza que na hora da bronca tudo se iguala”.

Ela conta que o dia a dia da casa é tranqüilo. Renan e Carlos Junior se dão muito bem. Breno, por ter uma personalidade diferente dos dois, procura não entrar em atrito com eles. Na casa, moram ela, o marido, a sogra e os filhos Breno, Renan e Carlos Junior. De vez em quando, os enteados os visitam, não perdendo o contato com o pai.

De acordo com a psicóloga Rosana é perfeitamente possível a existência de harmonia entre pais e filhos, e entre casais também: “Infelizmente, vivemos numa época de muita intolerância com o outro, de falta de cuidado, de delicadeza e generosidade. No ritmo acelerado, onde estamos sempre correndo atrás de algo, seja de dinheiro, status, colocação profissional ou formação, somos estimulados a consumir em diversos aspectos. Em muitas vezes, nem nos damos conta disso”.

Para Dalila, uma família mosaico como a sua acrescenta muito. “Em qualquer comemoração a casa está cheia e todos felizes. Um dos momentos marcantes é quando vamos para Ilhabela. Lá nós nos divertimos muito. Depois que comecei com a onda de pescar lulas, todos saem de barco comigo. Já se tornou uma verdadeira competição de quem pega mais. No momento de dificuldades, todos se unem para ajudar. Como somos muitos, e cada um com sua aptidão, se forma uma corrente de ajuda. É lindo!”.

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