quarta-feira, 26 de novembro de 2008

No tom


MALU E A BOSSA

Em 1958 o Brasil conquista a sua primeira Copa do Mundo. É nesse contexto de otimismo e de modernização que surge a Bossa Nova, a paixão da professora Maria Lúcia de Godoy, a Malu

Por Diana Lima


Maria Lúcia de Godoy, a Malu, começou o seu affair com a música aos 9 anos. A sua casa respirava cultura, um ambiente que lhe proporcionou o interesse pelos livros, a paixão pelos textos de Machado de Assis e pela música. Nessa época ela ganhou do pai um piano e, assim, iniciou o curso para piano. Já seus dois irmãos mais velhos ganharam um violão. A mistura do popular com o clássico a encantou. Aos 11 anos, ela já se apresentava em espetáculos na escola.

Na adolescência, mas precisamente aos 17 anos, Malu começou a dar aulas para jovens como ela que queriam aprender a tocar a música do momento, a Bossa Nova. Chega de Saudade, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, gravada por João Gilberto em 1959, surgia para acabar com o volume operístico e intenso do samba-canção e de outros estilos da época, como as músicas de dor de cotovelo e os boleros, muito populares nas rádios nas vozes de Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Dirce e Linda Batista, Dalva de Oliveira e outros.

Quando ouviu a Bossa Nova pela primeira vez Malu se encantou. “A voz suave de João Gilberto era diferente de tudo e a junção de letra e harmonia, em que ambos se completavam, era incrível. A Bossa Nova era um sentido musical, um momento. Alegre, brilhante e feliz”, relembra.
Malu nasceu em Campinas e aos quatro anos veio morar em Santos. A data de nascimento? Nunca perguntem à ela. “Aos 18 anos eu tinha a sensação de quem tivesse 40 era velho. Lembro-me do slogan de maio de 1968: não acredite em ninguém com mais de 30 anos”. brinca.

Graduada na Faculdade de Artes Plásticas da Universidade Santa Cecília, com mestrado em Artes e doutora em Comunicação, ambos pela USP, Malu se diz uma mulher realizada na profissão. O auge da sua realização ocorreu com a tese de doutorado, que lhe permitiu esmiuçar o baú da Música Popular Brasileira para estudar o berço da música de protesto com o tema Edu Lobo, Muitos Palcos e Uma Arena.


BANQUINHO E VIOLÃO

Ainda persistem dúvidas de quando teria começado a Bossa Nova. Alguns críticos e historiadores dizem que começou com a gravação de Chega de Saudade, na voz de Elizeth Cardoso, em 1958. Mas há quem só reconheça a Bossa Nova na voz de João Gilberto, com a mesma música gravada em 1959.

Mas numa coisa todos concordam: o estilo revolucionou a música brasileira e marcou época. “A Bossa Nova não era só um estilo musical, era uma estética e filosofia de cantar e ver a vida”, ressalta Malu. A batida de violão e a voz suave e dengosa de João Gilberto, a melodia e harmonia de Tom Jobim e as letras de Vinicius de Moraes formavam a base do movimento.

A Bossa pode ser dividida em duas fases: a primeira geração de 1958 a 1962, de Tom Jobim, Billy Blanco, Carlos Lyra, Roberto Menescal, Sérgio Ricardo, Luís Bonfá, Baden Powell, entre outros. E a segunda geração, 1962 a 1966, quando se o movimento se internacionalizou com o show de artistas brasileiros no Carnegie Hall, em Nova York, em 1962.

O movimento sofreu a incorporação de outros estilos como o samba dos morros, do sambista Zé Ketti, e o baião e o xote de João do Vale. Nessa fase, destacam-se nomes como Elis Regina, Edu Lobo, Francis Hime, Marcos Valle, Toquinho, Chico Buarque e Wilson Simonal.

Malu diz que as gerações seguintes não conseguiram manter a mesma qualidade que a primeira e a segunda geração. Em sua opinião, a decadência da Bossa Nova começou na ditadura militar, com a publicação do AI-5, em dezembro de 1968. Desde a implantação da ditadura, o governo criou mecanismos de controle que centralizassem o seu poder e diminuíssem a participação do povo, mas o AI-5 promoveu a censura prévia dos meios de comunicação e aumentou a violência e repressão. “O AI-5 foi uma coisa terrível. Atingiu não só a música, mas todo o tipo de arte e forma de expressão”, lembra Malu. De acordo com ela, a repressão e comercialização exagerada foram cruciais para a decadência do movimento musical iniciado em fins dos anos 50.

O que fez a Bossa Nova tomar outra direção, de acordo com a professora, pode ser compreendido na comparação com outros estilos. Ela explica que o rock é símbolo de rebeldia, protesto das camadas mais pobres, além de ser dançante. Já a Bossa era somente para se ouvir: “Concordo com Carlos Lyra quando ele diz que a bossa era feita pela classe média para a classe média. Isso num tempo que não existe mais, que já foi”.

Diferentemente do clima de harmonia dos anos 1958 e início dos anos de 1960, no Rio de Janeiro, ouve-se hoje nas rádios o funk carioca, letras de apelação sexual e um batidão como base. Malu critica: “Se tirarmos a batida do funk, sobra o quê? Nada”. Nos anos 1970, a Bossa Nova passou a receber influências do pop, do acid jazz, do soul e do drum’ bass que duram até hoje.

Quem não viveu o esplendor da Bossa Nova pode ouvir hoje as canções que fizeram o sucesso do movimento em releituras nas vozes de Adriana Calcanhoto, Paula Toller, Marina Lima, Daniela Mercury, Madonna, Black Eye Peas, Sérgio Mendes e Fernanda Takai.

Analisando o cenário musical atual, Malu diz que o estilo colabora com os novos sons que surgem para melhorar o padrão musical. A MPB incorpora a nova Bossa trazida pelos filhos e sobrinhos da primeira e segunda geração como Luciana Mello e Jair de Oliveira (Jair Rodrigues), Pedro Mariano e Maria Rita (Elis Regina), Wilson Simoninha (Simonal) e Bebel Gilberto (João Gilberto e Miúcha). “É uma geração de respeito”, reconhece Malu.

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