domingo, 23 de novembro de 2008

Crônica


A SACOLA

Por Marta Silvares


A chuva fina que caía emprestava melancolia àquela tarde comum. No ponto de ônibus em frente ao hospital da gente pobre da cidade, rostos cansados e cabelos grisalhos dividiam o pequeno espaço da calçada. Ela nem seria percebida se não fosse aquela sacola.

Apesar de velha e amassada, não era uma sacola qualquer, tinha o nome de uma loja distinta. Dessas enormes e imponentes que saem de trás do balcão para desfilar com mulheres ricas.

Foi levada pelo acaso para as mãos desta senhora, que encurvada segurava com firmeza aquele objeto cheio demais. Provavelmente levava ali seus pequenos tesouros. Talvez algumas roupas velhas ou comida em vasilhas de plástico.

Nem a chuva nem a respiração cansada a faziam colocar aquela tralha no chão. A sacola pesada era como uma extensão do seu corpo. Algo que trazia dignidade à sua vida, era como carregar um pedacinho do mundo que ela só assiste de longe como mera espectadora.

Quando finalmente o ônibus esperado encostou-se à calçada, percebi que estava lotado. A fúria do motor solicitava pressa. O primeiro degrau era da altura de seus joelhos, na terceira tentativa conseguiu subir e chegar a roleta.

O ônibus arrancou. Tentei novamente alcançá-la com meus olhos, mas seu rosto misturou-se a outros que agora me pareciam iguais naquela lotação. Não se via mais a sacola. Ela voltara ao anonimato que a existência marginal lhe impôs.

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